quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Tarde que late

Continuo enfiando a colher melada de chocolate na boca, não tenho mais vontade de comê-lo, um enjoo vem do estômago, insisto, empurro a colher, empurro de novo. Uma vontade ancestral de terminar o que se começa, mesmo que haja vomito. Raspo as beiradas até ver o branco da caneca que ganhei de um amigo que passeava em Porto Alegre. Aqueles bibelôs idiotas do tipo "estive aqui e lembrei de você." Já não existe mais o chocolate que fabriquei para consolar a minha aflição de ser eu. Fico querendo compreender os restinhos que sobram na caneca, quero ler, eu quero ler tudo, ter uma mediunidade além da carne. Do que me serve? Alguma percepção maior de que você tá fazendo burrada e eu continuo certa. Decifrando a dor que sinto por roer as unhas até machucar a pele. E sentir latejando pelos próximos dias, até a unha crescer um pouquinho e eu me angustiar novamente. Bebo água para retirar o doce da boca, como doce em seguida para revidar a água. Vivo nessas compensações vivas. De noite eu sou muito mais fácil, permissiva, deixo rolar, fluir. Você diz que me entende, o outro quer ser meu amigo. O mundo nasceu pro toque, cuspes, lambidas. Morde aqui? Ah, você faz isso tão bem querida. Eu quero mais chocolate, correlações estúpidas, meu nariz entupido de melecas que enrolo e jogo pro ar. Secreções imateriais, agora eu lavo a caneca e as mãos, deixo escorrer para o ralo com as minhas urgências de submundo...

Um comentário:

João Paulo Sá disse...

É.
Agora, tenho certeza que não tava num set do David Lynch.

De qualquer forma, ligeiramente mais curioso com esse roteiro cheio de cretinos turning points...