quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Bicho de sete cabeças

Já é tarde, me aconchego entre as almofadas vermelhas, nelas moram um conforto absorto da concepção que faço universalmente. Aperto elas com força, e vejo o dia se esmorecer entre os quadradinhos da mesa da sala, deixando as horas liberadas da obrigação de mundo, pintando elas de preto e branco. Me engulo por mais uma primavera, é sempre melancólico ver o começo e o fim, mas me agrada o senso do feio, impuro, daquilo que se desfaz. As velas ficam no canto, é como se escondessem luz, faço isso também, compreendo elas sem pinceladas de angústia. O tapete verde musgo não se rende aos meus apelos de fruta da vez, e alguma dor a gente tem que carregar no peito. Não como martírio catolicamente regenerado, mas no sentido da humanização do Ser. E aceito entre os vasos sem cor o meu direito ao grito, o faço sempre que necessário, expulso até quando não é, mas fica entre nós. E deixo assim, o fogo se espalhando pela floresta interna, deixo queimar, sinto arder. Suporto e subo em nuvens, até que a Lua comece a acarinhar a pele do estômago. Aprecio o som da palavra, preservo os loucos, me assumo um pouquinho. A campainha toca agitada, e permaneço contemplativa. Pouco a pouco abro os olhos, está tudo ali. Deveria estar? Quando é que a gente sabe que quer algo mude? E quando acontece, plum! Tá feito. E assim, as mesmas almofadas vermelhas ao redor, o tapete verdinho que ganhei de presente. Mas as velas, nesse momento, estão apagadas. Será que ele esteve aqui? Ele quem? Meu eterno segredo de um livro sem folhas. Faço do momento um movimento, me atiro de dentro do meu casulo em direção ao eu, uma puta aflição ou um aflição puta me consome, eu deixo, fique aqui, inquietação. E que aconteça algo de mágico a você, desejo de verdade. Pois se eu falar que desejo mais ou menos não deve fazer tanta diferença. Quero sempre com o displicente te levar aos lugares onde eu guardo sonhos. Mas se tu não alcanças, te lanças, aos mares que sonhei, pois de terras e conflitos, de tudo naveguei.

Nenhum comentário: